Por que, afinal, eu escrevo?

Alef Santana
5 min readSep 21, 2022

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Nunca fui um excelente aluno em português, na verdade nunca fui um excelente aluno em absolutamente nada. Nem no ensino fundamental, tampouco no médio. Sempre fui aquele aluno mediano, na média, que estava sempre ali pelas bordas das notas mínimas para ser aprovado. E isso nunca me incomodou. Talvez por nunca ter anseios maiores como vários colegas daquela época: passar em medicina, ter alguma profissão da área de cálculo, ou ainda me mudar para fora do país. Nunca quis nada disso, apesar de lembrar vagamente que a partir do primeiro ano do ensino médio os professores tentavam nos estimular a pensar numa carreira profissional — como se com 15, 16 ou 17 anos tivéssemos que ter a certeza de uma escolha tão importante dessas. Enfim, sempre fui esse aluno aí. Meus déficits de escrita e de gramática sempre eram pontuados pela professora Thelma no ensino médio — que muitas vezes, hoje, consigo lembrar de suas exigentes regras para compreender e assimilar as conjunções, conjugações e todo o resto da gramática portuguesa. No entanto, comecei a me interessar pela escrita ainda na minha graduação — depois de uma aprovação no vestibular sofrida, novamente, na média. Ali naquele espaço que, apesar de ser violento de diversas formas, ainda assim, me possibilitou encontrar e lidar com meus desejos enquanto escrita. Naquele momento não eram escritas poéticas, literárias, tampouco eróticas. Eram escritas acadêmicas, balizadas por um eu que se exigia dizer neutro, e que de forma fantasmagórica caia do céu, sem qualquer intencionalidade ou perspectiva. Assim aprendi a escrever por uns bons anos. Sempre neutro, sempre sem me posicionar, ou quando o fizesse, era de forma pontual, sempre nas considerações finais — era, diziam eles, o lugar onde o autor pode ser colocar de forma objetiva. Ah, a objetividade! Sempre tão desejada, almejada e reproduzida. Não tinha contato com uma literatura epistemológica para se pensar subjetividade, objetividade da pesquisa científica, etc. Tudo aquilo ali pra mim era, ainda, muito novo. Ainda que eu reproduzisse sempre aquela velha fórmula de bolo que ensinam pra gente em textos acadêmicos: introdução; objetivos; métodos; resultados, discussão e considerações finais. Acho que repeti isso por tantos anos que já estava quase que cravado no meu cérebro tão acostumado. Foi no mestrado que, de fato, pude deixar florescer meus pensamentos e ideias mais ousadas para a escrita. Ali ainda me era cobrado uma objetividade, neutralidade, uma escrita na terceira pessoa, um autor que não se anuncia, tampouco se deixa ser anunciado. Mas, por sorte, tive contato com leituras que deixaram essa ideia de lado e me apresentavam uma perspectiva que, mais tarde, faria todo o sentido. A escrita acadêmica mesmo que ainda tão engessada me deixava muito animado, e com a abertura dessa nova perspectiva, tive finalmente o respiro que eu desejava desde os últimos anos da graduação. Encontrava, por fim, nos ensaios das disciplinas pequenas possibilidades de ensaiar uma escrita livre, uma escrita que eu poderia me colocar completamente, uma escrita dolorosa, afetiva, denunciativa, metafórica, enfim, uma escrita ruidosa. Encontrei, finalmente, um caminho que eu poderia trilhar com a escrita — sem deixar de lado as minhas ideias sobre temas que me interessavam. Era uma escrita que não tinha muito espaço no meio acadêmico, é verdade. Talvez a ideia de uma escrita científica tenha mexido muito comigo por muitos anos, é igualmente verdade. A vida na pós-graduação pode ser um verdadeiro dissabor quando você trilha determinados caminhos, em especial sendo você de áreas que não estão tão próximas. No meio acadêmico a escrita, por si só, sempre é um motivo de críticas, escrutínios, e todo tipo de comentários que temos que nos acostumar — há uma naturalização disso tudo. Não acho que uma escrita acadêmica engessada, neutra, rígida, seca, seja a melhor forma de você se expressar ou relatar um caso, demonstrar um resultado, discutir seus achados. Estou aprendendo, inclusive, na etnografia formas de escritas científicas que bebem da fonte da poesia e da metáfora, que faz jogo com as palavras e com os enunciados, contextos e realidades dos interlocutores. Uma escrita que impacta, que se deixa ser fluida, mas sem tirar o peso e sua importância. Mais recentemente tive uma experiência de escrita que tentei, no meu limite, escrever academicamente sem parecer acadêmico. Uma escrita que, desenhei, imaginei e construí para ser leve, apesar do conteúdo trazer aspectos teóricos primários e que algumas pessoas poderiam não ter familiaridade com a temática. Recebi duras críticas de algumas pessoas por, em suas leituras, o livro ser panfletário demais. Ou ser superficial demais no que eu estava propondo discutir. Tudo bem, é aprendizado, mesmo que violento. Me propus a pensar espaços que eu pudesse publicizar, quase que sem intenção de plateia ou de fetiches de mudanças científicas, minhas ideias que floriam nos meus diversos momentos. A criação desse espaço aqui no medium é uma dessas formas que encontrei onde posso ousar um pouco, escrever sem estar preso a uma série de regras insuportáveis e categoricamente desejadas para serem publicizadas — como se fossem revolucionar alguma coisa nesse mundo. A escrita às vezes é solitária demais, e a escrita acadêmica além de solitária é traumática, por vezes. É um lugar de escrita que, me parece, ter que doer para avançar. Tem que sangrar para que faça valer. Talvez seja por isso que não gosto de ler nenhum texto meu publicizado nessas revistas acadêmicas, sequer li minha dissertação, ou os textos derivados dela. Ou o texto que saiu esse ano, enfim. Nenhum. Não quero tirar a casca dura que cicatrizou, não quero ter que ver essa ferida sangrar de novo, demandando um remendo. É uma casca que se cria, é como se meu compromisso com aquele texto seco, aquele texto grosso, aquele texto que foi tão cortado, colocado numa caixinha totalmente padronizado, que muitas vezes nem tem minhas ideias originais e primárias mais, tivesse finalmente encerrado. A escrita que eu gostaria de assumir não é essa, é uma escrita com sensações, com afeto, com a leveza de uma pena, mas densa e importante como uma descoberta inédita. É uma escrita que tem seu tempo, que precisa de tempo para maturar, para florir. Não é no tempo que estamos acostumados a lidar. Enfim. O motivo de eu escrever? Talvez eu ainda não saiba, mas estou no caminho para que isso possa acontecer, e quando acontecer, que seja de uma forma florida, afetuosa, impactante e afetiva. Que não seja dolorosa, que não sangre e que não se crie feridas. É uma escrita que eu deseje voltar a ler depois de publicizado, que eu leia e leia e leia e interprete diversas vezes sob diversas perspectivas. Enfim, é uma escrita com sensações e borboletas no estômago, com aquele frio na barriga que a gente sabe que, no fim, vai querer repetir a dose.

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Alef Santana

Pisciano com ascendente em áries, Pernambucano e extremamente risonho. Contato: allef.diogo@gmail.com// Instagram: aleef_santanaa