Itinerários afetivos

Alef Santana
3 min readAug 7, 2022

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Experimentar emoções nos coloca em um exercício que, por vezes, desmobiliza até as nossas mais íntimas questões. Do abraço recebido do amigo, de algum familiar, ou de algum afeto, até uma paixão inesperada que no menor sinal nos deixa de ponta à cabeça. [É importante destacar que não estou partindo aqui da ideia de emoções enquanto fator psicobiológico, aquele que é desencadeado por um conjunto de reações químicas, etc. Estou falando de emoções consideradas a partir do contexto e da interelações entre os sujeitos. Emoções que estão escritas nos nossos corpos, nas nossas ações, nos nossos pensamentos, na nossa forma de lidar com determinadas situações, na experiência de nos colocarmos em jogo, em campo, em relação. Além da forma como a acionamos em diferentes perspectivas com diversos sujeitos em qualquer lugar.

A ideia de um itinerário me pareceu plausível de fazer a metáfora. Não aquele itinerário da saúde que [os profissionais] estão muito mais interessados em buscar uma resolutividade para a demanda do usuário, mas um itinerário no sentido de caminhos possíveis que a gente vai passando, experimentando, vivenciando, aguardando, esperando, seguindo. Itinerários que podem ser tanto nacionais quanto internacionais. Confesso, no entanto, que quando pensei em tecer esse texto estava pensando mais em contextos locais, regionais, quiçá estaduais. Essa ideia de itinerários que tento trazer aqui vai mais no sentido de estradas ou caminhos que vamos nos localizando, e impregnando com nossas visões, pensamentos, falas, linguagens, sons, personalidades, cheiros, etc.

Pensei dessa forma, pois a sensação que ainda tenho hoje é sobre a construção dos afetos como estações desses itinerários. Ora estação localizada na cidade de SP — que possui várias estações, pontos e linhas, ora Recife, a minha cidade natal que eventualmente visito. No meio desse caminho há outras estações, outras questões sendo mobilizadas e que, partindo de uma perspectiva política, lidar com esses afetos nessas estações não restringe os momentos mais particulares, ainda que únicos — por muitas vezes. Às vezes acontece dessas estações estarem vazias, assim como uma estação de trem/metrô propriamente dita. Você só está ali existindo, esperando o momento que chega a condução para, enfim, partir para o seu destino. No itinerário dos afetos não é de um todo diferente, exceto que, acredito que nem sempre estamos esperando algo. Nem sempre nos colocamos pra jogo, ou temos uma intenção real disso — às vezes somos até surpreendidos nesses percursos, mas o ponto é que intencionalmente, nem sempre estamos nessa entoada.

Pensar itinerários de afetos é pensar, inclusive, uma longa e extensiva rede de afetos — que se cruzam, se emaranham, dão “nós”, desatam, e que às vezes ou a gente corta e costura, ou a gente simplesmente esquece que existe. São redes de afetos dentro de itinerários de afetos, onde em cada estação você está ali mobilizando essas redes, que no sentido micro, pode parecer pequeno, mas que talvez quando analisado macro, torne-se um grande lençol afetivo. Incrivelmente, já consigo construir essas micro — redes que fazem parte do meu itinerário afetivo, e vejam: não há necessidade de denominar, nomear, tampouco ficar em contato constantemente para saber que ali existe essa rede afetiva. A construção se dá em outros termos, outros tempos, outros ritmos.

Pensar um itinerário afetivo é lidar com um destino que não tem fim, não há estação “terminal”, apesar de termos um ponto de partida — quando conseguimos lidar com afetos pensando politicamente. Itinerários afetivos pra mim é uma grande estrada, trajeto, que muitas vezes sozinhos, podemos construir e tecer redes a partir de pontos inexistentes. Não do vácuo, mas quase que do zero. Pensar itinerários afetivos nesses termos demanda que possamos fazer um exercício de permissão. Pensar itinerários afetivos é também lidar que, muitas vezes, velhas estações serão desativas, redes descontinuadas, e que grandes questões ficarão abertas. Nada é fixo, tudo é cíclico. Acredito que itinerários afetivos são, por fim, agências possíveis de sujeitos possíveis para um mundo ainda possível.

Ou pelo menos era essa a ideia que tinha quando rascunhei sobre itinerários afetivos ontem.

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Alef Santana

Pisciano com ascendente em áries, Pernambucano e extremamente risonho. Contato: allef.diogo@gmail.com// Instagram: aleef_santanaa