28 de junho: esqueçam o discurso do amor (romântico, aliás), queremos viver

Alef Santana
5 min readJun 28, 2021

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A partir da rebelião que aconteceu em Stonewall em 28 de junho de 1969 uma série de movimentos começou a se alastrar pelo mundo, em uma clara resposta às truculências e violências contra pessoas LGBT+ à época sem ainda estarem denominadas como tal. Cabe destacar primeiro que o movimento foi liderado por ativistas trans, em especial, mulheres trans/travestis, que estiveram na linha de frente do motim. Esse reconhecimento faz parte de uma série de questões que por muito tempo foram invisibilizadas por causa do movimento “GGGGG”. Certamente homens gays também participaram da revolta, especialmente os afeminados e os negros/pretos. É importante historicizar os fatos como eles, de fato, são, para não cairmos nas armadilhas da história única como já nos lembrou Chimamanda. Pois, bem.

Eu gostaria de pontuar, a partir disso, algumas questões que acredito ser pertinentes para o dia de hoje. Especialmente aqui, no Brasil, onde o atual governo ignora e reforça todas as políticas de mortes não só contra pessoas LGBT+, mas também povos indígenas, quilombolas, pretos, mulheres, PCD, etc. Há em curso um movimento que ano após ano vem ganhando espaço e força nas ruas e nesse mês em específico. É comum vermos as celebrações do “pride day” estarem cada vez mais associadas à famosas marcas que, como se não soubessem o que representa o movimento LGBT+ e o mês do orgulho (na verdade, desconfio que não saibam mesmo) demonstram seus “apoios” com a emblemática frase: “Ser livre para amar quem eu quiser”. Ora, se até meados dos anos 2000 não tínhamos expressivos apoios da mídia de forma geral, não é de se esperar que a sociedade mais ampla comemore o feito, ainda mais porque estão celebrando o “amor” na sua forma mais “natural” possível — não vou nem entrar na discussão aqui de qual amor e de quais corpos podem viver esse amor. Hoje não quero me deter na monogamia de forma específica, ainda que meus diálogos com outros temas guardem significativa relação com este.

Voltando à problemática das marcas, comerciais e, em consequência, pessoas da própria comunidade LGBT+ que compram o discurso de “mais amor, por favor”, fico realmente instigado a refletir nos mecanismos que o neoliberalismo conseguiu implantar de forma muito “acrítica” as agendas de movimentos sociais que surgiram a partir de rebeliões que, em tese, rejeitam toda e qualquer forma de assimilação social e/ou capital. É como se todos nós estivéssemos esquecidos que a revolução não foi um ato em que pediam “mais amor”, na verdade, foi uma revolta contra às violências e truculências que nossos irmãos/irmãs sofreram no passado a partir de suas existências, e vejamos só, que se REPETE na atualidade. Essa semana uma travesti foi QUEIMADA viva por um adolescente em Recife. Ou então, na mesma semana uma escola em uma rede social dessas aí fez associações ridículas, para não dizerem absurdas quanto às crianças e o movimento LGBT+, como se ensinar o respeito fosse algo absurdamente estranho— tudo por causa de um comercial da BK. Tivemos também um apresentador desses noticiários sensacionalistas que adoram noticiar desgraça alheia com tons de deboche e sem um pingo de ética, incitando ÓDIO contra nós em plena rede nacional e em horário comercial. Aí eu pergunto: aonde estão as empresas e grandes marcas que adoram associar à sua marca nossa bandeira colorida? É nessas horas que fica explícito que o capitalismo anda de mãos dadas com essas opressões estruturais, pois na sua gênese ela também é produtora destas! Estamos sendo atacadas/atacados todos os momentos, todos os meses, mas agora, incrivelmente no mês do orgulho, tudo isso ganha uma dimensão mais cruel.

Entra ano e sai ano e todos nós estamos cansados de ver no noticiário travestis e mulheres mortas, homens trans sendo ridicularizados em novelas, homens gays afeminados servindo de chacota e ridicularização para a “família tradicional brasileira” que, em grandes doses, é a mais hipócrita e nojenta que possamos imaginar, mulheres lésbicas sendo questionadas pelo discurso essencialista e machista de que “não conheceram um macho” ou então pela patética discursividade de que mulheres lésbicas são lésbicas porque não podem ser mães, como se todas essas quisessem ser mães para começo de história. A questão é que tudo isso acontece sob os olhos do ESTADO e estamos à mercê mesmo assim, e sabemos bem o porquê. (E vejam bem, recentemente, o STF julgou favorável como crime LGBTfobia nesse país! E o que isso significa? absolutamente nada, pelo visto!) Porque o Estado é o primeiro a validar as políticas de morte contra nós! Não só a validar, mas também a construir as próprias políticas! Somos o país que mais MATA LGBT+! É por isso que digo: NÃO É SÓ SOBRE AMOR — e mesmo se fosse, não seria esse amor monogâmico, romantizado e assimilado que iriamos estar lutando. Não só eu, mas inúmeros pesquisadores, ativistas cuir, feministas, etc.

Afinal, o que falta ao movimento LGBT+ brasileiro para que possamos, de fato, realizar uma revolta que escancare a hipocrisia da mídia e do país, que rejeite todo o apoio disfarçado de interesse monetário dessas grandes empresas e marcas e que radicalize o discurso de uma vez por todas? Antes — muito antes — eu era a favor de um movimento acatado, respeitável, que não pudesse ir contra a “maioria”, mas a verdade é que depois de muito estudo — muito obrigado — compreendi que a gente não é a minoria, nós fomos minorizados e essa maioria que está aí não nos representa, nunca representará e para que isso seja efetivamente realizado precisamos radicalizar nossos discursos, práticas e revoltas. Enquanto isso não acontecer, seremos lembrados apenas no mês do orgulho, e no dia 28 desse mesmo mês o discurso de amor (com todas aquelas problemáticas que já sinalizei) prevalecerá, mas no dia 29 e nos demais dias do ano, seremos achincalhados, ridicularizados, mortos, expulsos de casa e das empresas, teremos nossas existências duvidadas, precisaremos dos PSI para dar conta das “nossas coisas não naturais” como dizem eles, e voltaremos as nossas vidas tentando não “ligar para tudo isso”. Enquanto isso, o amor que tanto adoram gritar? Fica representado no bolso das empresas.

Sinceramente, orgulho para quem?

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Alef Santana

Pisciano com ascendente em áries, Pernambucano e extremamente risonho. Contato: allef.diogo@gmail.com// Instagram: aleef_santanaa